Há décadas o quintal era uma representação da natureza que tínhamos no fundo de nossas casas, para olhar, plantar árvores, as crianças brincarem, e a chuva chover...
A reforma no fundo de nossa casa está com a capacidade total de envolvimento de nossa família, e como não somos profissionais da área, tudo é improvisado para que as coisas aconteçam da melhor maneira possível com pouco recurso material.
O Zé, pedreiro da obra, não pensou muito, recolheu algumas peças de madeira do nosso quintal e um velho baú para fazer um andaime e levantar a parede mais alta da reforma do cômodo. Este pequeno trabalho de improvisação mereceu um comentário de meu filho:
- Puxa pai...ainda bem que temos bastante tranqueira em casa para fazer as coisas...!
Respondi:
Sabe como eu chamo isso!?
- Felicidade!
Aquele nosso quintal, lembro bem, foi também alvo de uma conversa muito importante sobre a ecologia.
Numa tarde, após o almoço de sábado, o meu filho mais velho comeu uma banana e jogou a casca no pé da amoreira, sem dar importância para o latão de lixo que estava na porta de saída da cozinha.
Comentei sobre aquela cena com o Murilo, dizendo que éramos felizes porque tínhamos um quintal de terra, sem estar cimentado, com muito capim e que a casca de banana que ele jogou no chão, a natureza se incumbiria de transformá-la biologicamente em adubo para a amoreira crescer bonita e dar mais amoras...
- Felicidade é poder jogar uma casca de banana que acabamos de comer no chão sem preocupação de “estar sujando o ambiente” da área social tão bem cimentada e revestida com piso de porcelanato dos prédios...
Voltando a questão do andaime improvisado, expliquei que aquelas madeiras no passado cumpriram o seu papel e que estavam encostadas no fundo do quintal sem função, mas agora estão novamente servindo para alguma coisa, sendo reciclado na sua função.
Ou seja demonstrei que somos felizes por poder conviver com o meio ambiente, usar e reusar as coisas em prol do meio ambiente.
Sou da geração da cera Parquetina, que as donas de casa usavam para esfregar o chão com as suas pernas, até aparecer o brilho do piso feito de tacos de madeira, dos doces Confiança, que eram distribuídos nas “vendinhas” (pequenos supermercados de esquina) que não tinham sistemas logísticos dos grandes supermercados de hoje, da bomba de inseticida Flit, que matavam fulminantemente os insetos que ainda eram fracos, pois não eram fortalecidos pelas ações de agrotóxicos (que, pela lei da evolução das espécies tornam se cada vez mais fortes devido as cargas e agressões com inseticidas), do carro DKW Vemag, movido a motor dois tempos que soltavam bastante fumaça, mas não tínhamos problemas, (pois o ar “tinha muito espaço” para agüentar a poluição dos gases), e do Mimeógrafo que facilitava a professora do ensino “primário” (ensino fundamental) a distribuir as provas mensais, ...e muitas maravilhas da década de 60. Naquela época, era comum nos quintais, donas de casa terem a sua horta para plantar salsa (que não é nome de ritmo de dança!...) couve, ter pés de abacates, goiaba e laranjas, e ter alguns frangos soltos no quintal para serem abatidos e degustados em panelas de barro, enfim convivendo mais com o meio ambiente.
A vida agitada e o aumento da competitividade nos obrigaram a desenvolver a automação e a facilidade de resumir rotinas do cotidiano e está nos levando a soluções imediatistas, eliminando as chances de convívio com a natureza e até agredindo a indiretamente.
Com o progresso, o quintal foi rebatizado e tornou se na área social dos prédios e partes dele foram rebatizadas, vejamos: a brinquedoteca, espaço de 2 x 2 metros cheia de brinquedos industrializados vindos da China, substitui a antiga corda com pneu velho pendurada no abacateiro servindo de balanço do nosso quintal, o espaço gourmet, uma churrasqueira construída de alvenaria e tijolos refratários, substitui a churrasqueira improvisada feita de tambor de lata cortado ao meio no canto esquerdo do quintal, quadra de Street Ball, cercada de tela de arame e piso sintético, sem um pingo de barro, substitui as chances que tínhamos na nossa rua ainda de terra sem calçamento e que por transitar poucos carros a gente jogava bola, a famosa pelada de rua, o Fitness Room, não era necessário pois raramente sentávamos na sala para assistir televisão e piorar a nossa vida sedentária, o Baby room, era uma tábua de passar roupas que a minha mãe e as minhas tias aproveitavam para trocar as fraudas de meus primos, o Cyber room só existia em filmes pois ninguém tinha computador e muito menos acesso a mídia, e por fim, para que Solarium? se a gente vivia no quintal e acabava se bronzeando naturalmente, e graças a Deus não tínhamos câncer de pele, talvez porque também nem conhecíamos creme protetor solar...
Por conta dos prédios e as áreas sociais cimentadas, a “chuva não chove mais sobre a terra” e sim ela escorre sobre a área impermebializada de cimento e asfalto direto para as redes de águas pluviais desembocando em piscinões.
Pesquisadores da UFRGS demonstraram que pisos e calçadas feitos com paralelepípedos e blocos reduzem o escoamento de água em 40% a 65%, enquanto um gramado detém pelo menos 95%. Em um piso de concreto ou asfalto como nas áreas sociais dos prédios a relação é inversa: só 5% da água é que se infiltra.
Hoje as crianças receberam um novo nome para o verbo “brincar”... “ter atividades recreativas”, e tenho receio que nesse ritmo vão aparecer soluções de tecnologia que irão proporcionar a sensação de descanso e lazer virtuais...
É o caso da ERG- JO Software for Amusement da empresa lituana Premium Relax SW Co que trata do desenvolvimento de softwares e hardwares para relaxamento e lazer virtuais, ou seja são kit´s compostos de capacetes áudio visuais onde o usuário tem a chance de viajar para um mundo virtual de diversão e entretenimento com direito a sentir as sensações de nadar em piscina, simular jogos em campos de futebol e quadras de tênis, acompanhadas de músicas adequadas. O usuário necessita nada mais que um sofá com uma tomada na parede próxima para plugar o seu lazer virtual.
Logicamente, o produto ERG- JO Software for Amusement é pura suposição e ficção deste articulista, sobre um cenário de tecnologias virtuais que poderá acontecer, caso não tomarmos atitudes e posturas para preservar a natureza e o nosso relacionamento com ela, será certo que vamos acabar com aquela Área Social dos apartamentos, e também com aquele pedaço de terra no fundo das casas que chamamos ainda de Quintal...
Fonte:
http://www.premioreportagem.org.br/article.sub?docId=14027&c=Brasil&cRef=Brazil&year=2005&date=setembro%202004
domingo, 1 de agosto de 2010
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Um comentário:
Bom dia Sr Okasaki
Acabei de ler O Quintal, demonstra aqui a magnitude da mãe natureza em que vivemos, saboreamos e sentimos docemente todos os dias. E nos leva a imaginar o que nossos netos não irão viver e apenas ouvir histórias de como um simples quintal representava toda uma formação educativa e verdadeira para nossos filhos. Mas cabe aos nossos filhos tornarem o que ainda existe infinito e levarem consigo a certeza de que preservar sempre será o melhor caminho. Nossos caminhos se cruzaram e espero preservar esse privilégio de sua companhia infinitamente. Abraços
Tháles
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